A obra da artista carioca Katharina Welper está ligada a um fazer que beira o obsessivo e que trata a memória como um lócus importante no desenvolvimento de sua poética. Outro dado decisivo na produção é o aspecto multifacetado e híbrido, já que ela trabalha com desenvoltura por variados suportes, como a pintura, o desenho, a colagem, a performance, as artes têxteis e o tridimensional. E, se pudermos eleger um elemento comum nesse trânsito por entre os meios, talvez a linha se sobressaia, fazendo com que ela se transmute das mais variadas maneiras e oscile entre o acúmulo e a concisão, a desconstrução e a criação, a quebra e a continuidade, por exemplo.
Em séries recentes, Katharina Welper vem conseguindo lograr questões relevantes do contemporâneo, por meio de abordagens e discussões que revelam uma obra mais amadurecida. Em novos bordados, a artista trabalha a partir de um ‘espólio têxtil’ de uma enfermeira alemã. Há poucos indícios dessa origem, como as letras EB grafadas como uma identificação de lençóis. Nessa superfície-chassi, Katharina Welper decalca um padrão copiado de antigos motivos decorativos originários da artesania do Leste Europeu e, num labor manual árduo, espalha essa linha azul a produzir um extenso desenho. A própria superfície do tecido também gera um resultado movediço, já que os pequenos pedaços vão sendo reunidos e terminam por compor um amálgama entre as cores branca e azul (em diferentes tonalidades), e porções mais lisas ou estriadas do material.
A arte de Katharina Welper
Essas superfícies de histórias marcadas também se espalham nas pinturas de distintas séries. Os fundos móveis podem ser periódicos do Japão, por exemplo, nos quais a diagramação, a tipografia e a própria especificidade do alfabeto japonês se tornam importante fundamento da composição, onde por cima Katharina Welper produz uma pintura de grande apuro, com um realismo enfatizado. E essa ‘paisagem-base’ pode mudar. Há as listas telefônicas, tecidos familiares à beira do descarte e variados materiais que aludem ao universo doméstico e mais intimista. Assim, a artista vai borrando limites do fazer pictórico, gráfico e tridimensional, conferindo mobilidade a cada recorte.
Além dessa memória que Katharina Welper trata como um legado importante, como um traço a não ser apagado, existe um interesse de construção na sua obra. Por isso, o ateliê e o cotidiano – hoje em Petrópolis, cidade serrana do Rio de Janeiro, e anteriormente transcorridos na capital carioca - viram referências relevantes em seu fazer. Cenas e lugares próprios por vezes protagonizam as pinturas, em vez de registros extraídos da web, de jornais e revistas, e se assentam como elementos-chave em suas composições. A artista também utiliza um jogo de mostrar/esconder, às vezes em trabalhos mais preenchidos, outras vezes em que o vazio e a imaginação do observador terminam por dar contornos finais à proposição. Tais propostas também evoluem de forma mais experimental, como na performance subaquática em que Katharina Welper borda sobre essas superfícies já citadas e embaralha ainda mais os atributos de visibilidade e de experiência.
Outro aspecto interessante na elaboração da produção visual de Katharina Welper é a persistência. Isso fica muito claro, por exemplo, nas pinturas de Linhas Moiras, uma de suas individuais no Rio, em que a linha era o alicerce de cada quadro. Transformava-se, adquiria outros status, mas fazia com que sua característica una permanecesse, em um resultado plástico que mesclava pintura, desenho e colagem. “Desenho e pintura são dois órgãos do mesmo corpo. Vivem em cooperação para fazer viver. E um se suporta no outro. (…) Precisão e acúmulo, casamento de risco e condensação” escreve o artista Paulo Pasta, numa síntese que bem cabe sobre as qualidades da obra de Katharina Welper.
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